Um leitor deixou o seguinte comentário em um texto já antigo:

Na minha opinião você foi infeliz, quando ressalta o espirito comercial das artes (subjetivamente) e desmereceu quem faz as coisas com a alma, e não pra ganhar grana. Esses são artifícios do mundo globalizado capitalista, mas poderiam não ser,vc precisa destruir esse paradigmas pra ser um pensador livre.

A única coisa que eu consigo concluir, com todo respeito à bem vinda manifestação do leitor, é, na verdade, questionar: Quem está está vendo as coisas sob um paradigma mesmo?

O problema de quem idealiza a vida como se ela pudesse subsistir sem dinheiro é justamente isso. Não passa de um ideal irreal e impossível. Seria perfeito, é bem verdade, mas impossível. Você pode até tirar o dinheiro da questão, mas inevitavelmente você voltará ao conceito de escambo, obrigando-se a trocar objetos de valor por outros, ou ainda terá que ter uma terrinha sua para plantar e colher seus alimentos.

Show me the money

Show me the money

Ninguém é totalmente livre.

Na melhor das hipóteses, somos escravos do nosso estômago. Se quiser matar a fome, vai ter que se mexer, caçar, plantar e colher, enfim. Depois, somos escravos da nossa sensibilidade ao frio, com a necessidade de vestimentas. Somos escravos do ciclos naturais do tempo, enfim.

O dinheiro não é algo de fora, é algo imanente ao ser humano. Porque ele não consiste meramente numa nota de papel com alguns números, (esta sim, de fora), mas sim, numa representação da noção de valor. A diferença, há milênios atrás, era que essa noção de valor se aplicava aos alimentos, peles e outros objetos que facilitavam nossa vida. Mas a noção de valor e de propriedade é intrínseca à nossa mente, e não ao papel.

Você pode até conseguir viver às custas dos outros, mas cedo ou tarde lhe cobrarão algo de valor em troca, nem que seja lavar a louça ou limpar a casa. Vai ter que retribuir, porque é da nossa natureza. Xingue uma pessoa e ela lhe retribuirá o xingamento. Sorria para ela e ela lhe devolverá um sorriso.

Daí que idealizar um mundo sem dinheiro – ou troca de valores – é se apegar a um paradigma alternativo, utópico. Não consigo ver o “paradigma capitalista” como um paradigma. O capitalismo nada mais é, sob o meu ponto de vista, como uma consequência coletiva da natureza humana individual, na qual a noção, necessidade e manejo de valores lhe é natural.

Qualquer um pode se colocar a fazer as coisas com a alma, mesmo que isso implique não ser apreciado e ficar sem um mísero tostão no bolso. Se quiser um mínimo de subsistência, terá que se submeter ao gosto de alguém, mesmo que seja um único mecenas. Se algum dia os rumos de sua arte o desagradar, você corre o risco de ficar sem patrocínio.

Você pode até rir da minha conclusão, mas acho que “pensador livre”, mesmo, é o pensador que tá com o bolso cheio da grana e não depende de ninguém (o que já é uma sentença relativa) para lhe ditar os rumos de sua vida.