Apesar de o espiritismo ser uma religião relativamente popular no Brasil, sofre de grande preconceito de quem não a conhece. É por vezes confundido com Umbanda ou com o Candomblé, como se tal comparação justificasse o maldito preconceito. Quem mais vejo demonstrar preconceito com o espiritismo são evangélicos e católicos mais fervorosos, via de regra, os que menos o conhecem. Outros que gostam de fazer piadinhas com o espiritismo são os céticos, para quem todo e qualquer médium não passa de um charlatão; alguns, médiuns comprovadamente generosos, desprendidos e caridosos, mas ainda assim, charlatões 😉

Natural para o preconceituoso julgar o que não conhece. O preconceito religioso é compreensível, afinal, estudar e investigar outras religiões e fenômenos metafísicos dá trabalho. É mais fácil ir na missa ou no culto e esperar que o Padre ou o Pastor escolha alguma passagem bíblica para ser comentada. É mais fácil acreditar-se no caminho certo junto à maioria, e que aqueles que se distanciam do “rebanho” vão cair nas garras dos lobos. Lamento, mas se você se diz cristão, faz parte de um rebanho, e o Senhor é seu Pastor 🙂

Conheço algumas pessoas espíritas e lamento sempre que vejo-as conversando entre si baixinho, discretamente, com receio de que alguém de fora escute e as julgue de antemão como macumbeiras e coisas do gênero. No Brasil, a liberdade de religião se limita a deixar os outros vivos (o que já alguma coisa) contanto que seja longe. Ela só funciona em alguns lugares para católicos e evangélicos, ficando os outros – incluindo ateus – receosos de se manifestarem quanto aos seus credos – ou à ausência deles.

Espiritismo, ou Kardecismo?

O espiritismo Kardecista, ou seja, aquele surgido dos trabalhos do francês Allan Kardec (Hippolyte Léon Denizard Rivail) é uma religião de forma geral muito bonita. Difundida no Brasil especialmente por Chico Xavier, de cuja biografia estou lendo maravilhado, prega essencialmente a aceitação e a caridade. “Se você precisa de ajuda, ajude quem precisa”. Este é mais ou menos o lema deles.

Quem não conhece o espiritismo kardecista, tende a confundi-lo junto a suas manifestações com as sessões de incorporação dos terreiros de Umbanda, como se vê amplamente na TV, com batuques e toda aquela folia que, convenhamos, parece realmente assustadora, para quem não conhece. Mas não é assim! Centros espíritas kardecistas são normalmente ambientes muito limpos, MUITO SILENCIOSOS, onde se consegue encontrar relativa paz de espírito e voluntários dispostos a ajudar. Não pedem dinheiro e sim doações de alimentos e roupas. Não são proselitistas, portanto, não querem te converter e nem te incitam a “angariar” convertidos.

Nos centros espíritas há vários tipos de encontros. Os mais comuns e abertos ao público são os encontros em que algum convidado ministra alguma palestra com base nos cinco livros de Allan Kardec e conhecimentos semelhantes encontrados em vários outros livros espíritas. No fim da palestra, normalmente iniciada e finalizada com suaves orações, as pessoas esperam para receber o “passe”, que é como uma emanação de uma energia positiva através da imposição das mãos dispensada por pessoas com “o dom” para a tarefa. Ou ainda recebem água fluidificada (com a mesma energia positiva) em copinhos de plástico, ao deixarem a casa espírita.

Não há rituais sem conteúdo, não há gritaria, não há músicas sem graça. As palestras concentram-se na divulgação e no entendimento dos temas básicos do espiritismo como a reencarnação, a imortalidade do espírito humano e a consequente continuidade da vida após a morte, a lei de causa e efeito e a evolução individual da alma (espírito) ao longo da existência espiritual.

Minha identificação com todos esses atributos é o que faz com que eu visite a casa espírita esporadicamente.

Mas por que não me assumo como espírita?

Espíritas aqui vão me crucificar, porém isso não é uma provocação ao debate vaidoso, e sim, uma provocação à reflexão.

Eu nunca consegui assumir qualquer bandeira que não fosse a branca 🙂 Minha experiência com cultos religiosos não é muito ampla, mas também não é muito restrita. Já fui em missas, em cultos protestantes luteranos (religião sob a qual nasci), em cultos evangélicos (acredite, até aceitei Jesus como meu Senhor e Salvador – pode rir), em palestras de centros espíritas e em seminários da Seicho-no-ie. Alguma noção sobre esse universo acabei adquirindo. E justamente porque encontrei o melhor e o pior do ser humano em cada um desses lugares, é que não hasteio a bandeira de nenhum deles. Não me digo espírita, nem católico, nem protestante, nem evangélico. Sou o sincretismo religioso em pessoa, um ser ecumênico (ui) 😉

Quando conheci o espiritismo, insatisfeito com algumas condições da minha vida, encontrei nos livros espíritas um maravilhoso mundo novo e relativamente mais “lógico” do que o mundo essencialmente cristão. A idéia de reencarnação explica muuuuita coisa (clique e leia um texto sobre o tema), ela expande sua visão de mundo, e, embora o suposto mecanismo com o qual a reencarnação “funciona” possa ser tão inexplicavelmente mais fantástico quanto a própria idéia de reencarnação em si, acho que todos deveriam conhecê-la minimamente antes de bradar que a reencarnação (ou o espiritismo, ou qualquer idéia de fora de seu mundinho) é coisa do diabo. Coisa do diabo é essa sua cabeça preconceituosa e intolerante. Ponto!

Na pior das hipóteses, a reencarnação é um consolo indispensável a muitos que a conhecem. Aliás a própria fé é de forma geral um consolo para a pesada carga existencial humana e, se você é metido a “cetiCUzinho” besta, sugiro ao menos sensibilizar-se quanto às necessidades psicológicas das pessoas, antes de vir com seus argumentinhos dispensavelmente lógicos. Elas NÃO QUEREM entender o mundo. Querem apenas acreditar que vale a pena CONTINUAR vivendo.

O espiritismo explica muito sobre a existência – e de novo, na pior das hipóteses, muito melhor do que qualquer outra religião. Só que eu tenho estranhado muito, ultimamente, a profunda moralidade cristã abraçada pelo espiritismo brasileiro. Me soa estranhíssimo encontrar textos atribuídos às próprias entidades espirituais encharcados de uma bondade melancólica, incitando à resignação e dando a entender que é através do sofrimento que se evolui. Você espírita pode me contrariar: “Ah, mas não é bem assim” e eu vou concordar: Não, não é bem assim, mas É ASSIM que as pessoas entendem. A compreensão popular e geral que o povo tem da doutrina espírita poderia ser resumida assim: “Devo aceitar o sofrimento desta minha vida, evitar fazer mal às pessoas, para eu ter uma vida boa e feliz… NA PRÓXIMA ENCARNAÇÃO”. Qualquer semelhança com a idéia cristã de paraíso não é coincidência.

O problema não é a doutrina, e sim a doutrinação. O problema do espiritismo não é o conhecimento que ele oferece, e sim o modo como ele é divulgado.

É uma mensagem de passividade, de martírio, de sacrifício, cristã demais pro meu gosto herético. O que vejo é que o espiritismo segue a mesma trilha do cristianismo… a de se alcançar uma boa morte (a salvação) ao invés de ajudar as pessoas a alcançarem uma boa vida – tarefa na qual as palestras motivacionais se saem muito melhor  😉

O mote principal do espiritismo, a única incitação à ação que se encontra em sua mensagem, a caridade, ao meu ver, não é suficiente para alguém resolver todos os seus problemas. Desenvolver a caridade ajuda muito sim, quanto ao desprendimento exagerado aos bens materiais, quanto à expansão da nossa noção de que há pessoas com problemas muito piores do que os nossos e também quanto ao sentimento de realização e satisfação que o ato da caridade em si nos proporciona. Mas vejo que há aspectos da vida que o ato da caridade não alcança, e não completa.

Aprendi que é através do trabalho criativo e esforçado, e da livre iniciativa que sentimos o completo sentimento de realização pessoal. E é por às vezes estimular um sentimento de passividade às pessoas, reforçando a idéia de Napoleão Bonaparte de que a religião é um recurso para fazer as pessoas comuns ficarem quietas, que não me vejo como um espírita, de fato. ( O que, não perco de vista, não tem a menor importância 😉 )

Espiritualidade é um compromisso de desapego

Vou contar um segredo pra vocês. Um tempo atrás eu conversava com uma amiga sobre o espiritismo. Ela demonstrava muita curiosidade acerca da doutrina e da possível realidade espiritual que nos rodeia e a indiquei alguns livros. Algum tempo depois, em nova conversa, ela me confessou alguns fatos pessoais que demonstravam uma pronunciada sensibilidade mediúnica. No mesmo instante sugeri que esquecesse os livros que indiquei.

Porque sei que mexer com isso pode ser desastroso. Sei que quanto mais você sintonizar com o lado de lá da espiritualidade, mais aquele mundo vai exigir de você. E é preciso estar preparado pra isso, caso contrário será como mexer no vespeiro. Assumir a mediunidade pode ser uma maravilha se a pessoa estiver disposta a tal e tiver nascido com o dom de ajudar os outros. Mas é um compromisso que pode virar a vida dela do avesso. E pode ser que ela não queira isso.

O que importa é esta vida. Esta vida já dá trabalho demais.
Chico Xavier, quando indagado sobre o lado de lá.

Leia a biografia de Chico Xavier e constate você mesmo: Chico fez parte do seleto grupo dos mais autênticos e verdadeiros cristãos. Lendo a biografia de Chico Xavier, fico estupefato com sua renúncia em relação às coisas do mundo. Fiquei injuriado com o quanto ele sofreu – e ainda tinha que sofrer calado – mesmo se dedicando INTEGRALMENTE à psicografia e a divulgação da doutrina. Ser cristão é isso, é renunciar aos tesouros do mundo, é dar a outra face, é deixar-se ser crucificado em prol da causa maior.

E não é pra qualquer um!

Pelos céus, ou pelo mundo?

Veja que, embora não pareça, não utilizo o termo cristianismo de forma pejorativa. São opções. Existe o caminho da espiritualidade, e existe o caminho do mundo. Veja entretanto que ambos foram criados pelo mesmo Deus de forma que concluo que não há certo ou errado nessas escolhas. São apenas escolhas. Não haverá julgamento. Aliás, o julgamento serão as próprias consequências de suas escolhas. E aposto com você que uma é tão difícil quanto a outra.

Se tiver dúvidas, veja o fim que Jesus teve, veja a renúncia de Chico Xavier e por que não, de TODOS os outros cristãos consagrados pela história. Ou então, por outro lado, observe o quanto o povo corre atrás da máquina, destrói sua saúde em troca de dinheiro, se entrega aos prazeres, ri, chora, come, bebe, e no fim… morre do mesmo jeito! Se o cristão autêntico e resignado será beneficiado do lado de lá da morte por seu sacrifício, ainda é uma promessa, ainda é uma questão de fé.

Em texto anterior, O ego, nossa natureza diabólica, tento demonstrar que as características do nosso ego constituem nossa humanidade, distinguindo-nos dos outros animais. E que o cristianismo, em sua forma mais acentuada, propõe a anulação total do ego. A mensagem geral do nosso espiritismo brasileiro não é diferente. Resignação, sacrifício, martírio, renúncia, humildade, desprendimento, são posturas essenciais para quem quiser se dizer espírita. Apenas ler os livros da Zíbia Gasparetto não vale 😉

Penso que essas posturas tipicamente cristãs são extremas e fogem de nossa natureza humana, de forma que não são para qualquer um; e por isso há tão poucos cristãos autênticos. O caminho é, de fato, estreito. Nem todos terão essa disposição. Eu, particularmente, não tenho. A felicidade que almejo, a realização que busco, é ainda, a felicidade e a realização mundanas. E por mundanas, não quero dizer inferiores, e sim, que são a felicidade e a realização que Deus intentava que buscássemos quando nos colocou aqui nesse planeta. Não creio que ele nos colocaria aqui para vivermos cada dia de nossas vidas negando nossa própria natureza, e preocupados com o dia do retorno ao lugar de onde viemos.

Não posso acreditar que é errado ser humano.

Texto de 11 de maio de 2011.