Motivado pela curiosidade por entender nossos processos psicológicos, e sobretudo por alguns fatos pessoais, já falei bastante aqui sobre mágoas, perdão, culpa, expectativas, decepções, perdas, desapego etc.
São assuntos que estão sempre presentes nas vidas mais conturbadas (oi?), por serem acontecimentos extremamente difíceis de lidar e, na mesma medida, difíceis de se abordar.
Já comentei aqui de forma bem aprofundada sobre culpa, sobre perdão e, em relação a este último, como o tempo é um grande auxiliador nesse processo de perdão.
Mas alguns ferimentos emocionais são tão profundos, que nem o tempo é capaz de amenizar. Nestes casos, ele ajuda a esconder essas feridas, mas não as cura.
E então, como proceder?
Já veremos, mas antes quero comentar sobre…
Por que perdoar é tão importante?
Para explicar esta questão, vou recorrer à filosofia da Seicho-no-ie. A primeiríssima frase da Sutra Sagrada, o livrinho mais importante da Seicho-no-ie, é esta:
Reconcilia-te com todas as coisas do céu e da terra.
Uma ordem para nos reconciliarmos, isto é, ficarmos em paz com tudo e com todos.
Segundo a visão desta linha de pensamento oriental, nós, seres vivos, somos canais através dos quais flui a vida de Deus. Não é difícil compreender isso. Estamos vivos, certo? E a energia que nos mantém vivos é um dos maiores mistérios da existência. Na verdade a ciência ainda não compreendeu completamente o que é a vida, e como ela surgiu neste planeta, isto é, como foi que há milhões de anos, algumas moléculas se juntaram formando uma célula VIVA e esta, a partir de então começou a respirar, se alimentar e o mais incrível: se reproduzir.
Sendo assim, há uma energia chamada vida que flui o tempo todo através de nós. Essa energia vem com tudo que precisamos para sobrevivermos e termos uma vida de evolução e crescimento. Porém a condição para essa energia fluir em toda a sua plenitude, é que não haja obstáculos. E quais são esses obstáculos? Os sentimentos negativos, que surgem quando mantemos uma mentalidade enviesada, debilitada devido a uma visão equivocada das coisas.
Quando mantemos uma mentalidade leve, alegre e positiva, nossos sentimentos também refletem essa paz e leveza. Quando passamos a alimentar sentimentos negativos, como ódio, raiva, mágoa, rancor, ressentimento, angústia, criamos um bloqueio à energia da vida, que passa a fluir para nós com dificuldade, dando espaço para que surja em nós e em nosso entorno todo tipo de dificuldades de saúde e relacionamento.
O perdão, isto é, o entendimento de que nossa postura está equivocada, e de que não podemos esperar muito dos outros, e a consequente paz que surgirá entre nós e o mundo após termos perdoado de fato tudo que nos machucou no passado, enfim, o perdão é o ponto chave para desfazer todos esses sentimentos negativos, e fazer com que a energia positiva de Deus passe a fluir através de nós, novamente.
Perdoai as nossas ofensas, assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido.
Este profundo trecho do Pai Nosso nos diz que Deus nos perdoa, isto é, passa a nos querer bem, na medida em que perdoamos tudo que nos feriu, isto é, em que passamos a querer bem a tudo e a todos.
Que entendamos que sentimentos ruins mantidos em nosso coração por muito tempo e com certa intensidade fazem com que, por atração, os fatos que os motivaram ressurjam de tempos em tempos, reforçando a visão distorcida que temos das coisas, num ciclo vicioso que pode durar anos e… quem poderá dizer, durar até mesmo vidas.
Mas… e por que é tão difícil perdoar?
Compreender o que é o perdão não é difícil. Já falei muito dele aqui: 1 – 2 – 3.
Mas manifestá-lo é quase impossível. E tentarei demonstrar porque isso acontece.
Tudo parte da nossa autoestima, a qual normalmente é bastante baixa.
A EXTREMA dificuldade de fortalecermos essa autoestima nos motiva a procurar formas de compensá-la. Estas outras formas são o apego a coisas externas: Uma boa posição social, uma bela casa, um belo carro, um belo par. Se você perder sua posição social, ou perder sua bela casa num incêndio, ou o carro num acidente, ficará bastante arrasado, não vai? São perdas terríveis e destrutivas, que podem nos fazer ficar com rancor de Deus, santos e outras entidades que esperávamos que nos protegessem.
Mas por que esse arraso todo diante dessas perdas?
Porque baseamos nossa identidade nessas posses. Perdê-las significa perder parte de nós.
O mesmo vale para o belo par que também citei acima. Normalmente nos envolvemos com pessoas que tem características e qualidades que nós não temos. Essas características do outro nos completam, colaborando para nos sentirmos melhores conosco mesmos, ou seja, para nossa autoestima se fortalecer.
Quando ocorre um abandono, ou uma traição, há o mesmo sentimento de perda que ocorre durante uma perda material. Nos sentimos arrasados porque parte da nossa identidade como pessoas mais completas (e portanto com uma autoestima melhorzinha) está com o outro. Se ele se vai, leva parte de nós.
Perdoar, num sentido psicológico, significa nos olharmos de novo diante do espelho, sozinhos, e aceitar e admitir que somos mesmo incompletos. E que o outro não tinha qualquer obrigação conosco, por mais que tenha eventualmente jurado fidelidade. Sim, eu sei, se ele(a) jurou, tinha essa obrigação.
Mas… sério mesmo que você acreditou que o outro(a) teria tamanha integridade moral? (sejamos adultos e reconheçamos que há uma infinidade de fatores que levam alguém a quebrar uma jura; fatores que misturam a fraqueza moral do indivíduo, as circunstâncias tentadoras do ambiente em volta e até mesmo uma certa negligência de nossa parte em nos esforçarmos para nos tornarmos sempre mais atraentes, e em continuarmos colocando lenha na fogueira do amor)
E é sempre dolorido conviver com a verdade de que somos incompletos, que talvez valhamos muito pouco, que não somos tão especiais quanto gostaríamos, e que possamos mesmo ter falhado em algum ponto. Perdoar, isto é, admitir que “está tudo bem” entre nós e quem nos ofendeu, diminui nossa importância pessoal, na medida em que nos desobrigamos a sermos imprescindivelmente respeitados.
Perdoar é, de certa forma, se diminuir. Sempre que perdoamos, uma parte de nós morre. Daí a extrema dificuldade que temos de perdoar. Morre a parte mais intransigente da nossa personalidade, restando a parte mais suave e amorosa.
É mais fácil continuarmos preservando nosso senso de importância pessoal e jogarmos a culpa no outro. Mas culpar os outros é a pior forma de resolver as coisas, porque jogamos a responsabilidade pelo nosso bem estar na mão deles. Na medida em que você se responsabiliza pelas coisas que lhe acontece, tem a chance de evitar decepções futuras: Se medindo numa medida mais realista, e esperando menos (de preferência, nada) dos outros.
Mas, como perdoar, então?
Hoje em dia, tenho percebido que cada pessoa tem seu próprio jeito de perdoar. Você deve se dedicar a isso, tentando até conseguir, e encontrando a melhor estratégia psicológica para si. Abaixo vou sugerir algumas.
Também tenho percebido que o perdão deve ser um exercício diário; muito dificilmente você conseguirá perdoar num estalar de dedos.
Compreenda a ilusão que você criou e alimentou
Mágoa, rancor, decepção, frustração sempre ocorrem sobre alguma ilusão. Sempre!
Um desejo grande de ser valorizado, para pouco mérito. Muita expectativa, sobre pessoas e circunstâncias, para pouca integridade ou consistência da parte delas.
Portanto, o primeiro passo para o perdão é admitir e enxergar a ilusão, e entender como ela se criou.
A desilusão é a verdade lhe visitando.
De forma contraditória, quanto menor a nossa autoestima, mais idealizamos nossa importância pessoal, numa tentativa artificial de compensar a situação. Sabe aquele papo de se levar as coisas na esportiva, e de não se levar tão a sério? É disso que falo e repito: quanto mais a pessoa se leva a sério (idealiza a si mesma), mais frágil é sua autoestima e mais ela se ofende com qualquer coisinha.
E mais ela vai se ferrar na vida.
A ilusão consiste mais ou menos nisso: Nossa autoestima é muito baixa e na intenção de compensar esse baixo senso de valor, atribuímos artificialmente certa importância a nossa personalidade, esperando desesperadamente (e forçando) que os outros respeitem e alimentem essa importância.
Quando ocorre uma traição, por exemplo, o outro não respeitou essa importância, mostrando que:
1 – Ele não é aquela pessoa especial e íntegra que imaginávamos que era. É, na verdade, um caco.
2 – Não somos aquilo tudo que gostaríamos de ser; não somos tão dignos assim de fidelidade e lealdade absoluta, fazendo com que nos deparemos novamente com a realidade fundamental: somos facilmente substituíveis.
O processo de perdão ocorre quando compreendemos que:
1 – Demos valor demais ao outro.
2 – Atribuímos um valor desmedido a nós mesmos.
Para que o perdão se manifeste, precisamos trabalhar e construir essa nova realidade, reduzindo nossas expectativas, diminuindo a importância do outro, e reconhecendo a realidade do que somos:
1 – O outro é só mais um, por mais especial que pareça. Ninguém merece que comprometamos nossa autoestima por causa dele(a).
2 – Traições ocorrem o tempo todo, até com uma mega modelo como a Gisele Bündchen. Por que haveria de jamais ocorrer com você? O que você tem de TÃO especial assim?
A parte mais difícil de perdoar é admitir que a realidade é bem menos encantadora do que gostaríamos; a realidade tem muito menos graça do que fomos ensinados através das ficções românticas que povoam nosso imaginário contemporâneo.
A origem da culpa
A culpa é filha do casamento entre a regra insana e o julgamento implacável. Observe suas regras mentais. Se são morais, assimiladas do meio em que viver. Ou se são devaneios pessoais idealistas sobre como o mundo deveria ser.
O mundo não está nem aí para o que você acha que ele deveria ser.
O mundo, a realidade e as pessoas são o que são.
Afastamento
A realidade de uma perda ou traição é mais complexa que uma dúzia de palavras, eu sei.
O ciúme é justamente aquela dor que sentimos quando percebemos que a pessoa amada pode ser feliz sem nós – Rubem Alves
O ciúme, inveja e vingança são sentimentos bem parecidos. Tanto que podemos nos sentir inacreditavelmente felizes quando o outro, que nos abandonou, se dá mal. Não é feio, é humano. É nobre não sentir isso, mas aceitável que se sinta.
De repente, o outro lhe abandonou, encontrou outra pessoa e está muitíssimo bem; e não bastasse tudo isso, ainda fica ostentando o quanto está bem nas redes sociais. Como diminuir a importância de um(a) filho(a) da p*ta desses?
Dois ditados populares ajudam muito a superar a situação:
O que os olhos não veem, o coração não sente.
Longe dos olhos, longe do coração.
Exclua essa pessoa da sua vida, fisicamente e digitalmente, com determinação. É preciso força de vontade, é preciso se valorizar e se preservar. Procurar outra realidade, outras pessoas, outros lugares. Uma postura firme e determinada nesse sentido ajuda muito a superar.
Infelizmente rola uma competição. Você pode escolher ficar stalkeando a pessoa através das redes sociais ou de amigos em comum, e se afundar ainda mais; ou pode escolher partir pra luta e melhorar sua situação, ficando eventualmente até melhor do que o outro. A escolha é sua. Contudo, é fundamental focar as energias em si mesmo(a).
Perdoar é fazer as pazes
O preceito mais básico da Seicho-no-ie é o seguinte: Reconcilia-te com todas as coisas do céu e da terra.
Estar em paz e em harmonia com tudo e com todos é, para a Seicho-no-ie, o princípio fundamental de uma vida feliz e bem orientada por Deus. E o perdão é o instrumento mais importante de que dispomos para alcançar esta paz.
Você sabe que perdoou quando lembra da situação que uma vez o(a) machucou mas já não sofre com as lembranças. Perdoar é esquecer pelo que tinha de perdoar; é não se importar mais com aquilo; é se conformar com o rumo que as coisas tomaram. Perdoar é fazer as pazes com quem nos ofendeu. É ser capaz de falar para a pessoa, pessoalmente ou mentalmente:
Fulano, está tudo bem entre nós. Você não me deve mais nada. Muito obrigado por tudo. Que Deus o(a) abençoe e que você seja feliz.
Você pode utilizar o mantra do Hooponopono, também:
Fulano, sinto muito. Me perdoa. Eu te amo. Muito obrigado!
Se você sentir um desconforto ao mentalizar …fulano, está tudo bem entre nós… é porque não perdoou e ainda guarda dentro de si alguma medida de mágoa ou ressentimento.
Fique em paz
Este texto fala sobre a importância do perdão usando como exemplo casos de traição, que são os casos mais doloridos. Mas o fato é que há inúmeros sentimentos ruins que nos perturbam de alguma forma, tiram nossa paz e obstruem nosso canal com a divindade: ódio, raiva, inveja, ansiedade, o ciúme aqui comentado, entre outros.
Livre-se deles como puder! Faça da sua paz pessoal sua prioridade, com a consciência de que o perdão será sua arma para encontrar sua paz interior.
Admita a imperfeição da vida, admita a imperfeição das pessoas, admita sua própria imperfeição. Não espere a perfeição se você mesmo(a) não consegue oferecê-la.
Lute pelo que quer, do modo que der, mas ACEITE se não der, sem se cobrar, sem se culpar, sem esperar demais, dos outros, da vida, de Deus.
Pega leve, e preserve-se.
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