
Um exemplar da espécie brasileira se alimentando
Ontem eu li um texto que dizia mais ou menos assim:
“As pessoas estão emburrecendo, não sabem nem interpretar um texto direito”.
De vez em quando um sumo sacerdote da análise social rasa e dramática, que se acha crítico e consciente (e um grande interpretador de textos) se arrisca a dizer algo perigoso assim. Mas tal assertiva só revela que ele mesmo interpreta muito mal a realidade.
O erro começa com o próprio termo. Crer que se está emburrecendo alguém é admitir que esse alguém nasceu inteligente e detentor de ampla cultura. Não, né…
E o erro continua pela desconsideração de um panorama histórico. Ora, se hoje temos uma taxa de analfabetismo menor que 10% e “as pessoas não conseguem interpretar um texto”, será que em 1950 quando 50% da população era analfabeta, elas interpretavam melhor? E o que dizer de 1900, logo após a proclamação da nossa republiqueta, quando mais de 80% da população brasileira era analfabeta…
Não, amigos. As pessoas não estão emburrecendo. Elas sempre foram “burras”, só que hoje, com facebooks e big brothers da vida, elas ganharam visibilidade.
Nós é que estamos selecionando mal para quem estamos direcionando nossa atenção e apreço.
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Pelas conclusões acima, acredito pouco que o Estado tenha alguma função neste fenômeno que chamam de emburrecimento da população, embora seja também evidente que a ele também não interesse uma população muito crítica ou consciente. Justamente por isso, talvez o Estado tenha, isto sim, contribuído para perpetuar o estado natural de ignorância das pessoas através de suas políticas educacionais, que recebem menos investimento do que deveriam, e seguem por caminhos bastante questionáveis.
Ausência de referências morais
No mesmo texto o autor queria associar o suposto “emburrecimento do povo” com o crescente individualismo, egoísmo e falta de educação das pessoas, em especial, as mais jovens. Como sempre a Esquerda peca pela lógica forçada, associando causas e efeitos desconexos.
As pessoas não estão mais individualistas porque estão emburrecendo. Elas estão ficando individualistas porque não têm mais uma fonte de referência moral.
No passado a maioria das pessoas era analfabeta. Mesmo em 1950 quando somente metade da população sabia ler, certamente liam de modo superficial e precário. Somente uma reduzida parcela tinha algum domínio avançado sobre a língua portuguesa (como hoje) e acesso a livros e melhores informações. Sendo assim, a única fonte de informação dessas pessoas simples era a igreja, com suas rígidas regras morais e sociais.
Ora, era a igreja (e os pais que também foram “formados” pela igreja) que educavam seus filhos.
Atualmente, além do fato de muitos pais terem seus filhos como um incômodo e nem sempre estarem presentes com eles (em certos casos, quase nunca), qualquer fulano tem um amplo acesso a quaisquer informações na internet, e tem uma televisão por vezes bastante imoral com mensagens bastante questionáveis (isso quando essas informações e maus exemplos de comportamento não vêm de dentro da própria escola).
Enfim, nas últimas décadas, apesar do nível de alfabetização ter aumentado, as pessoas perderam a ligação com os parâmetros morais que regem o bom convívio social. É preciso ver que também houve um forte senso de liberdade individual e sexual que surgiu a partir dos anos 60, que veio questionar e desvalidar bastante estes mesmos valores morais dos quais falo aqui e que eram fortemente impostos pela igreja, para o bem e para o mal.
Seria uma ambição descabida analisar todas as mudanças comportamentais das últimas décadas em poucas linhas de um blog, mas estas são, portanto, para mim, a origem desse comportamento muito mimadinho, individualista e pouco gentil (e sociável) de boa parte dos jovens (e outros nem tão jovens) de hoje.
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