O amor é doce – Crônica

O amor é doce

O amor é doce

Precisou ir até a cidade vizinha pela manhã, resolver algumas questões de negócios.

Tudo resolvido, parou na padaria para fazer um lanche, mais por hábito do que por fome.

Era uma panificadora com um espacinho lateral acolhedor, com duas mesinhas, para quem quisesse fazer seu lanche por ali mesmo. Foi onde veio tomar café por muitas vezes durante os meses em que conduziu uma reforma em seu imóvel situado nas proximidades. Não saberia dizer se vinha naquela confeitaria mais pelos ótimos lanches ou pelo atendimento sempre caloroso das atendentes.

Encontrou, do lado de dentro do balcão, para lhe atender, aquela moça que não esperava encontrar, porque não a via por ali há meses.

Grata surpresa rever aqueles olhos novamente, castanhos, ornados por cílios vistosos, arqueados, raros; destacados pela máscara pandêmica que ela usava. Pediu seu lanche. Comeu. Ao pagar, pediu sob impulso, para levar, um bolo de cenoura que se apresentava apetitoso na vitrine do balcão. Os confeitos daquela padaria eram excelentes, mas ele não confessaria sequer a si mesmo que pediu algo mais, só para ficar mais um pouco em contato com a moça que lhe atendia.

Moça simpática, nasceu para o comércio. Simpatia necessária, que despertava nos rapazes mais maliciosos, suspeitas infundadas. Como há alguns meses, quando ali mesmo naquele caixa, enquanto a maquininha do cartão buscava demoradamente sinal para a efetuação do pagamento, ela, como se estivesse diante de um irmão, não tivesse soltado aqueles jovens, longos e lindos cabelos, para re-ajeitá-los, re-prendê-los, para voltar a pegar a maquininha em uma mão, enquanto a outra mão expunha aquelas unhas tão bem feitas, tão bem femininas, dedilhando o balcão…

Enquanto ela preparava o pedido, trocaram algumas palavras triviais e gentis.

Na iminência de embalar o bolo, ela parou, observou o que tinha em mãos, pensou, e, muito espontaneamente disse:

Peraí, só um pouquinho, que vou ali na cozinha reforçar a cobertura desse bolo.

E lá foi ela fazer o que de melhor sabia fazer – adoçar a vida das pessoas.

Demorou um pouquinho. Sozinho, apoiado no balcão, dispensou, mentalmente (pois já era tarde), o acréscimo de cobertura. Preferia que ela ficasse ali e o papo se estendesse, o quanto desse.

Ela voltou, ele pagou, foi para casa.

Já era hora de almoçar, mas ele preparou um café, e abriu a embalagem do bolo opulentamente adornado com aquela cobertura de chocolate.

Sentiu suave contentamento, como se tivesse diante de si um presente especial, de alguém especial, ganhado de surpresa.

Perguntou à esposa se queria uma fatia do bolo, mas, indiferente, continuou presa ao celular. Há anos a esposa fazia o pouco que fazia por insossa obrigação. Ele tinha certeza, pelo muito que fazia, que nessa matemática o saldo de cuidados recíprocos e carinhosos já estava negativo para ele.

Sentia falta de alguns mimos em retribuição aos que generosamente distribuía.

– Quem não sentiria? – Se justificava.

Comeu uma fatia. E outra… e mais outra, intercaladas por meditativos goles de café.

“Quem ama, cuida”, esvoaçou por sua mente o ditado popular, como um papel levado pelo vento.

E garfou parte da cobertura que se derramava no centro do bolo.

E verdadeiramente DELICIOU-SE com o doce sabor do cuidado que recebera.

Naquele dia não almoçou, satisfeito com a delicada cortesia que lhe preencheu o coração, de uma quase desconhecida que, sem maiores motivos, se importou em agradá-lo.

E as horas daquele dia de inverno lhe restaram adocicadas, mornas, graças ao mimo cuidadoso, ainda que isento de maiores intenções, da confeiteira da cidade vizinha.