Desde que escrevi este texto, tenho me policiado para ficar cada vez menos online no Facebook.
Mas a coisa é meio viciante, e volta e meia me pego descendo a timeline, como se algo muito especial estivesse aguardando por ser descoberto.
Nunca encontro nada de especial, muito pelo contrário, só bobagens e a velha balbúrdia de sempre com vozes antagonistas carregadas de discursos ideológicos, brigando para se mostrarem certas.
Detalhe: ninguém está certo neste campo de guerra que é a existência.
E acompanhando a timeline durante a semana, ficou fácil perceber que ela foi marcada pela morte precoce do cantor Cristiano Araújo e pela vitória da luta pelo casamento gay nos EUA.
Sobre o cantor sertanejo, já comentei aqui, sob um viés mais filosófico, e aqui, sob um viés mais cultural, mas resumo a seguir:
— Em relação ao desconhecimento do cantor por parte da suposta elite cultural urbana do Brasil, foi mesmo engraçado — na verdade, ridículo — o modo como esta pretensa e narcisista elite cultural brasileira se sentiu de fora da festa ao perceber a consternação de milhões de brasileiros gerada pela morte de um cantor desconhecido (para eles apenas, dazelite).
— Sobre o questionamento dele ser um grande artista, por cantar sertanejo universitário com refrões tipo “bará berê” eu penso o seguinte: A pessoa ouve músicas em inglês a vida toda sem entender bulhufas, mas acha um absurdo o povo gostar de músicas como a do Cristiano Araújo com refrões como “barabarabara berêberêberê”.
Assim não tem como levá-los a sério, amigos (Já escrevi sobre estas questões aqui e aqui).
Quanto ao casamento entre pessoas do mesmo sexo ter sido aprovado nos EUA, percebi vários pontos complicados:
— Esta igualdade já existe no Brasil desde 2013 e ninguém comemorou tanto assim. A alma colonizada do brasileiro é mesmo uma lástima: Não conseguimos reconhecer o valor das nossas próprias ações, por mais nobres e corretas que pareçam. Só quando alguém que consideramos importante reconhece e também coloca em prática estas ações, é que nos sentimos validados. Triste.
— Após a aprovação do casamento igualitário ocorrer, o Facebook criou uma ferramentinha que colore as fotos dos perfils com as cores do arco-iris, símbolo da luta gay por direitos civis. Eu, que sempre vi com horror o comportamento de manada, via horrorizado as pessoas colorirem suas fotos sem parar. Aqui a conversa já independe do mérito da questão. É sobre você fazer a mesma coisa que os outros, só porque os outros fizeram e você não quer ficar de fora, porque sua autoestima depende da sensação de pertencer ao bando.
Eu não colori minha foto por mera questão de me recusar a seguir o comportamento do bando. E porque sei que muitos que coloriram, celebrando a aprovação do casamento igualitário, são os mesmos que AINDA olham atravessado quando deparam com um casal gay andando de mãos dadas na rua.
— Ainda sobre o casamento gay, MUITAS pessoas compartilharam esta imagem tosca nos seus perfis:
Excluindo o fato pouco nobre de se prevalecer da imagem de uma criança morrendo de fome para se sentir – e demonstrar que é – mais consciente que os outros, veja que a mensagem da imagem acima faz pouco sentido: Um direito civil conquistado, é uma coisa. Uma condição sub-humana que precisa ser combatida, é outra. Acredite, você pode apoiar ambas, porque elas não se excluem. É como desqualificar uma ong que luta pelos direitos dos animais, porque há muitas crianças abandonadas nos orfanatos. Ou desqualificar a luta pela cura do câncer de mama, porque há um câncer mais mortal que é o câncer de pulmão. O mundo tem muitos problemas, e todos precisam ser resolvidos, urgentemente.
Vale lembrar também que não adianta querer lutar contra a fome, e ser contra instrumentos sociais como o bolsa-família, dizendo que é bolsa-esmola, bolsa-vagabundo. Isto sim, são postura excludentes, porque o bolsa-família foi – e é – uma das mais efetivas formas sócio-políticas de se combater a fome no Brasil – cujo êxito foi reconhecido internacionalmente pela ONU.
A nação já se uniu contra a fome, e você nem percebeu.
— Ainda sobre esta questão, o que eu queria comentar MESMO, sobre o casamento igualitário, é o seguinte:
Quando pensamos em atraso social, normalmente o que passa pela nossa cabeça, são épocas antigas: Década de 80 quando as drogas tomaram conta definitivamente da sociedade, ou década de 50 quando as pessoas protestavam contra casamento entre brancos e negros e contra o divórcio, ou século XIX quando mulheres não podiam votar, sequer trabalhar e ter escravos era normal, ou séculos XV a XVII quando mulheres e homens eram queimados vivos por pensarem diferente.
O que não percebemos, e que vivo repetindo aqui, é que ainda HOJE, vivemos numa época inacreditavelmente obtusa, intelectual e socialmente. Houve avanços, é claro, mulheres, negros e gays possuem hoje muito mais autonomia do que anteriormente, mas, de um modo que nem sei explicar direito, a mentalidade das pessoas continua tão obtusa e preconceituosa quanto em tempos remotos, e redes sociais como o Facebook nos mostram isso de modo evidente e inequívoco, porque dá abertura e voz ao preconceito e à visão limitada das pessoas.
Sobretudo, o que realmente mostra o quanto estamos atrasados como sociedade é não só o fato de SOMENTE em 2015 o país mais poderoso do mundo permitir que pessoas do mesmo sexo registrem sua união civil, como todo o auê gerado em torno disso — para os contra, como se fosse um grande absurdo, e para os a favor, como se fosse um grande avanço. Porque analisando todo o contexto com isenção e indiferença, esta é uma situação que já deveria ser banal para nós. Poxa, as pessoas são livres, que se casem com quem quiserem: Pessoas de mesmo sexo, ou com quantas pessoas quiserem, ou com animais, ou com bonecos, com robôs, com árvores.
O verdadeiro absurdo é que ainda em 2015, os outros ainda têm poder sobre com quem ou o quê eu posso me unir.
— Por fim, para fechar, exponho um questionamento: Desde que começou esta discussão sobre o casamento igualitário, há uns bons anos atrás, sempre que o assunto vem à tona, me ocorre a seguinte observação:
Os homossexuais lutando para poderem se casar, e eu aqui convicto que o casamento deveria ser absolutamente proibido, para todos, sem distinção. Porque assim como o indivíduo não pode produzir provas contra si mesmo, também não poderia casar-se iludido pelas paixões instintivas, fantasiadas de sentimentos românticos, que lhe convencem estar entrando para a resolução definitiva de suas questões sentimentais, quando caminha desenganado para o auto-aprisionamento espontâneo.
Matheus
02 de julho de 2015 as 1:16
Gostei do seu texto, no geral, porem não me segurei em escrever isto; sua interpretação sobre a foto da criança está errada, não acompanho facebook, porém excluindo o que os usuários escreveram na legenda, a foto não fala contra o casamento gay, nem tão pouco há qualquer tipo de discriminação nela. O que ela quis expor, para mim muito inteligentemente, pelo menos em sua essência, foi o fato de não haver repercussão e até pouca mobilização geral, quando o assunto é a fome de países de fome absoluta, o que não podemos negar, quantas vezes você leu artigos ou discussões sobre como resolver ou ajudar países africanos esse ano? e quantos sobre gays? Quando vi essa imagem, no google, o que me trouxe ao seu blog, me envergonhei. Finalmente sobre o casamento, há alguns anos eu no auge da minha, teoricamente, etica, moral e justiça, tentando ser o melhor possivel gerei, demasiadas vezes, provas contra mim, embora tivesses o direito de não faze-lo, dessa forma, não gostei da sua analogia, nem tão pouco da opnião a favor da proibição. no geral voce esta de parabens, me diverti com a leitura.
Ronaud Pereira
02 de julho de 2015 as 21:24
Olá, Matheus. Obrigado por seu comentário. Você tem sua razão. Mas eu quis ressaltar que não adianta compartilhar esta imagem sobre a fome, e depois se dizer contra o bolsa-família, que veio justamente… ora veja, para combater a fome… Ao menos no nosso quintal.
Quanto à proibição geral do casamento, falei de forma irônica. É claro que não penso assim. É uma reflexão sobre como as pessoas lutam por coisas que no final das contas, e dependendo do ponto de vista, podem ser bem dispensáveis.
Um abraço!
Ari Velho
10 de julho de 2015 as 20:43
Ronauld, ninguém comemorou em 2013 porque não tinham inventado a ferramentinha. O foco é a moda, a manada, é “se sentir”. Vc tem toda a razão. Parabéns como sempre pelos seus textos.
Ronaud Pereira
13 de julho de 2015 as 18:37
Obrigado, Ari! 😉