Às vezes  a responsabilidade que me pesa, de se manter o pouco que tenho, me gera uma vontade enorme de largar tudo e ir morar numa cabaninha no alto da montanha. E tenho certeza que você também sente vontade semelhante; mas talvez em vez da montanha, prefira uma ilha deserta 🙂

Minha vida não é complexa, mas é complicada, se é que você me entende. Tenho uma presença online através deste blog, algumas centenas de textos e vários leitores que se identificam com minha mensagem, o que passa a ideia, para muitos, de que sou um sujeito importante (ha ha ha). Mas quem me conhece pessoalmente sabe que não passo de um zé coitado, isto é, um sujeito estranho uma pessoa absolutamente normal metido a escrever e filosofar.

Mas de uns anos pra cá venho sentindo um disparate. Sinto que tenho as responsabilidades de uma pessoa importante, mas curto a vida como um zé coitado, isto é, muito pouco. Por isso esta ânsia por uma vida mais simples. Para que estes pesos ao menos se equilibrem.

A Mirian Bottan chegou a conclusão semelhante em seu twitter há alguns anos, e nunca mais esqueci:

Quando tem compromisso/planos/trabalho demais e sacanagem de menos na sua vida. Mirian Bottan

Mas a responsabilidade por ter mais responsabilidades do que gostaria também é minha 🙁

A simplicidade me atrai. E talvez pudesse adotar essa vida mais simples daqui mesmo de onde estou, sem precisar me mudar para longe. Só que para adotar essa vida simples no modo extreme, teria de me afastar de muitas pessoas que amo. Pois não suportariam uma vida simplória, já que se atraem por uns luxinhos capitalistas. E a convivência de pessoas com impulsos opostos é bem complicada.

Mas não é só isso. Bom, a verdade é que também eu me atraio por esses luxinhos. E me desdobro todo trabalhando para poder mantê-los.

Só que cansa.

Nos atraímos por esses luxos da vida urbana porque estamos no meio urbano, e vemos os outros curtindo essas coisas a cada passo, e criança grande que somos, também queremos curtir essas coisas. E pagamos o preço, bem salgado, por sinal. E a moeda de troca quase sempre é a saúde.

Os homens me surpreendem… os homens perdem a saúde para juntar dinheiro, depois perdem dinheiro para recuperar a saúde; e por pensarem ansiosamente no futuro, esquecem do presente de tal forma que acabam por não viver o presente nem o futuro; e vivem como se nunca fossem morrer e, morrem como se nunca tivessem vivido. Então busquemos o equilíbrio, a harmonia! Dalai Lama

Por isso a ideia da cabaninha no alto do morro. É uma metáfora, claro. Poderia ser uma casinha no interior, dessas que vemos pelas estradas, que são a única residência em um raio de 10km. Ali não veem o exibicionismo dos outros, então também vivem sossegados, sem a cobrança familiar ou pessoal de também ter o que os exibidos têm e fazem questão de mostrar.

Tem coisas na vida que seria melhor não vermos, e não sabermos que existe.

São muitas e não são só materiais não. Aquela festa bacana para a qual não lhe convidaram também é uma delas 🙂

(Aliás, as principais coisas na vida que seria melhor não vermos, não são materiais.)

Porque depois que sabemos de sua existência, ficamos mal com a impossibilidade de participar delas.

A felicidade dos outros incomoda.

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Atualização – Hoje um amigo compartilhou o texto abaixo no facebook, que vem exatamente de encontro ao que tentei dizer acima:

O caminho de volta

Já estou voltando. Só tenho 37 anos e já estou fazendo o caminho de volta. Até o ano passado eu ainda estava indo. Indo morar no apartamento mais alto do prédio mais alto do bairro mais nobre. Indo comprar o carro do ano, a bolsa de marca, a roupa da moda.

Claro que para isso, durante o caminho de ida, eu fazia hora extra, fazia serão, fazia dos fins de semana eternas segundas-feiras. Até que um dia, meu filho quase chamou a babá de mãe!

Mas, com quase quarenta, eu estava chegando lá. Onde mesmo? No que ninguém conseguiu responder, eu imaginei que quando chegasse lá ia ter uma placa com a palavra “fim”. Antes dela, avistei a placa de “retorno” e nela mesmo dei meia volta.

Comprei uma casa no campo (maneira chique de falar, mas ela é no meio do mato mesmo). É longe que só a gota serena. Longe do prédio mais alto, do bairro mais chique, do carro mais novo, da hora extra, da babá quase mãe.

Agora tenho menos dinheiro e mais filho. Menos marca e mais tempo. E não é que meus pais (que quando eu morava no bairro nobre me visitaram quatro vezes em quatro anos), agora vêm pra cá todo fim de semana? E meu filho anda de bicicleta, eu rego as plantas e meu marido descobriu que gosta de cozinhar (principalmente quando os ingredientes vêm da horta que ele mesmo plantou).

Por aqui, quando chove, a Internet não chega. Fico torcendo que chova, porque é quando meu filho, espontaneamente (por falta do que fazer mesmo) abre um livro e, pasmem, lê. E no que alguém diz “a internet voltou!” já é tarde demais porque o livro já está melhor que o Facebook, o Twitter e o Orkut juntos.

Aqui se chama “aldeia” e tal qual uma aldeia indígena, vira e mexe eu faço a dança da chuva, o chá com a planta, a rede de cama. No São João, assamos milho na fogueira. Aos domingos, converso com os vizinhos. Nas segundas, vou trabalhar, contando as horas para voltar.

Aí eu me lembro da placa “retorno” e acho que nela deveria ter um subtítulo que diz assim: “retorno – última chance de você salvar sua vida!” Você provavelmente ainda está indo. Não é culpa sua. É culpa do comercial que disse: “Compre um e leve dois”. Nós, da banda de cá, esperamos sua visita. Porque sim, mais dia menos dia, você também vai querer fazer o caminho de volta.

Téta Barbosa – Jornalista e publicitária, mora(va) no Recife – (A publicação original foi removida).

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Leia também: A Classe Média Brasileira e a escravidão ao “alto padrão”.