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O insustentável peso da existência

Enviado em 2015-06-25 13:53:52

Esta morte inesperada e cruel do cantor Cristiano Araújo, como tantas outras que acontecem tragicamente, de tempos em tempos, por carros, aviões, catástrofes naturais (um tsunami recente na indonésia matou 230 MIL pessoas), de conhecidos e anônimos, é daqueles fatos que nos põe a pensar no quanto esta vida parece (ou é) um grande e desencantado improviso.


Uma falha qualquer na pista, somada a uma falha técnica qualquer no veículo e quem sabe a algum deslize do motorista, multiplicadas pelo hábito inexistente de usar cinto de segurança no banco de trás, elevadas à enésima potência da correria da vida artística e da ansiedade por se chegar ainda de madrugada a algum lugar qualquer para pegar alguns trecos quaisquer, para seguir para mais um show urgente, resultam na trágica morte de dois jovens que tinham tudo pela frente.


A pergunta que faço é: Por que esses dois jovens morreram?


- Por esta soma de fatores casualmente infelizes?


- Ou por algum tipo de necessidade de ordem espiritual?


Quem poderia responder estas questões?


***




Tá olhando o quê?

Desde a adolescência, quando comecei a me interessar pela literatura espírita, e depois, desde que comecei a escrever aqui a partir de 2008, já com alguns conhecimentos ocultistas, procuro comentar, compartilhar e reforçar, uma visão da existência que se baseia em certas correntes espiritualistas, que afirmam que tudo está certo do jeito que está, porque há uma ordem superior, de natureza espiritual, que a tudo controla e a tudo conduz, apesar de todo o aparente (e muito evidente) caos no qual se encontra a existência, tanto humana, como de qualquer tipo de vida (tipo a zebrinha africana cujo destino certo será morrer asfixiada pela mordida de um leão, para que ela sirva de comida para a prole felina).


Imagine-se tentando explicar a visão esperançosa da citação a seguir, à referida zebrinha, ou ao gato que morreu estraçalhado por três cachorros demoníacos, na rua aqui de casa, semanas atrás:




Todos fazemos planos, mas a vida tem seus próprios caminhos. A sabedoria nos ensina que ela sempre faz o melhor. Aceitar isso é vencer a frustração. Zíbia Gasparetto



Esta frase já me ajudou muito em janeiro de 2001, durante uma grande frustração vivida. E com base na visão de mundo proposta por palavras como as da autora espírita Zíbia, uma visão espiritualista, mas sobretudo, profundamente esperançosa — de que no final das contas tudo faça sentido para que a luta e as feridas do meio da batalha tenham valido a pena — sempre me vi tentando enxergar uma realidade na qual no fim a justiça se apresenta infalível e clareando nosso entendimento obtuso.


Mas sempre vim tentando enxergar esta realidade diante das mais diversas situações de grande injustiça e sofrimento, naturais deste mundo complicado, situações estas as quais vamos sabendo, ou ainda pior, vivenciando, ao longo da vida.


Entretanto, o tempo vai passando, estas situações trágicas e cruéis se repetem indefinidamente ao longo da nossa trajetória, muitas vezes nos atingindo em cheio, e hoje, me vejo a cada dia que passa me tornando mais e mais descrente sobre esta suposta ordem superior e imanente à existência, que tudo sabe e a tudo conduz sempre a caminho daquilo que me parece cada vez mais uma grande utopia: a justiça.



A angústia é o preço da lucidez


Sempre que as pessoas se pegam refletindo sobre a natureza, concluem o quanto ela é perfeita. Tanto a natureza biológica dos seres vivos, que se auto-regulam e se auto-curam, como a natureza terrestre de modo geral, englobando os reinos animal e vegetal, como também a natureza universal, grandiosa a um extremo que ultrapassa nossa capacidade de compreensão.


Mas elas só conseguem chegar a esta conclusão de perfeição de dentro de seus lares, confortáveis e seguros. Será que chegariam a esta mesma conclusão em meio a uma selva, à mercê de predadores e outros insetos, relembrando o quanto nossos ancestrais já sofreram com um ambiente extremamente inóspito, como de fato é, o meio natural?


Apesar de toda esta aparente perfeição da natureza, eu tenho percebido o mundo imperfeito demais para se crer que foi criado por um deus perfeito, este ser onipresente que sustentaria esta ordem superior mantenedora da justiça divina, perfeita e infalível.


O mesmo vale para as pessoas. Principalmente para as pessoas. Estes seres tão especialmente gerados pelo Criador, para que passem o tempo todo expostos aos mais diferentes ataques de um mundo incansavelmente hostil. Há sofrimento demais durante o decorrer da vida, porque estamos todos vulneráveis, o tempo todo, a todo tipo de acidentes, perdas, doenças e fracassos profissionais que podem nos pôr em meio à falta, à escassez...


Cada dia me vejo mais e mais descrente de que ha uma ordem maior e imanente a existência. Um deus que tudo sabe e tudo pode, mas que permite as maiores atrocidades diárias que sabemos que ocorrem no mundo. Cada vez mais me parece que tudo não passa de meras casualidades, como já há um bom tempo nos demonstra a ciência cartesiana.


Para além de algumas risadas e outros momentos leves, a vida é toda drama, angústia e sufoco. Um peso a ser carregado, pois para uma maioria de seres humanos, existir constitui-se num fardo insustentavelmente pesado. E esta conclusão, que me é recente, me leva a compreender porque as pessoas (sobre)vivem, basicamente, fugindo o tempo todo de si mesmas, se agarrando como dá a qualquer tipo de distração e entretenimento, muitas vezes, drásticos. Eu entendo perfeitamente porque alguém recorre as drogas para fugir do enfrentamento diário que significa ter de existir, mesmo quando não se quer. E entendo perfeitamente quem não vê o porquê de continuar neste mundo extremamente insano e opta por tirar a própria vida.



Uma realidade mais dura


A saída que tenho encontrado diante de toda esta descrença, e deste questionamento que ultrapassa os limites da heresia (estivesse eu há 200 anos, já teria virado cinzas), é o seguinte:

Talvez (muito provavelmente) esta ordem superior e imanente à existência, que a tudo ordena com precisa contabilidade, exista. Talvez (muito provavelmente) o Criador exista. Talvez haja um porquê final que a todas as questões responda, cuja resposta transita em torno da questão da evolução da consciência.

E talvez o criador tenha, de fato, nos dado em plenitude aquilo que teólogos, filósofos e místicos chamam de livre-arbítrio. E esta constatação teria algumas implicações um tanto terríveis e nada animadoras, como o fato de que NADA vá nos acontecer nesta vida sem que tenhamos construído este acontecimento integralmente, como também o fato de estarmos de fato inteiramente largados neste mundo, totalmente responsáveis por nós mesmos, e totalmente sujeitos às consequências de nossas ações, ou descuidos bobos...

...como a infelicidade de não usar cinto de segurança no banco de trás dos veículos.

***

Veja também: O universo Moral e Por que Deus fica em Silêncio

Ronaud Pereira

Publicado em www.ronaud.com/vida/o-insustentavel-peso-da-existencia/