[…] insisto na prerrogativa do silêncio, para não esmagar com palavras as entrelinhas. Clarice Lispector

Todos nós conhecemos alguém que fala além da conta. Eu tinha uma vizinha assim: Toda vez que ela nos visitava algo mágico e transcedental ocorria: As palavras saíam de sua boca num fluxo constante e contínuo, por minutos e minutos. A fonte não se esgotava nunca. E as palavras saíam todas com uma certa coerência. Não, o tema nunca era importante, mas ela fazia parecer importante. Era um grande talento, sem dúvida 😉

Mas antes de seguir a conversa, precisamos definir o termo: Falar demais é uma coisa, falar o que não deve, é outra. Me refiro neste texto àquelas que falam demais mesmo, que falam muito, verborrágicas. São pessoas que não gastam tempo refletindo sobre um assunto, vão logo despejando nos ouvidos alheios tudo o que lhes vem a mente. Não costumam refletir, ou refletem verbalizando, com a boca.

Parece piada...

Parece piada…

Normalmente, essas pessoas são queridas, bem quistas, divertidas. Nós, os outros, tendemos a gostar delas, porque sempre tem uma história, um fato engraçado ou uma cena divertida para contar. Elas tendem a ser o centro das atenções nos ambientes que frequentam. E gostam disso, muitas vezes sem consciência total da circunstância que criam em sua volta, porque lhes é natural a atenção alheia. Ao entreter os outros com assuntos pertinentes, os poupa, principalmente seus antagonistas, os que falam pouco, da penosa tensão de se ter que puxar assunto.

Há dois tipos de pessoas assim:

Detalhistas

Esta é aquela que dá voltas e mais voltas para contar uma história. Quem escuta até se perde no meio de tanta informação. Via de regra, falam apenas superficialidades. O que nos facilita a vida, bastando reduzir o nível de concentração no que é dito. Quem fala muito detalhadamente obrigatoriamente fala superficialidades em profusão. Lá no meio de tudo pode ser dito algo interessante, mas quase sempre se perde em meio à avalanche de informações.

O segredo de ser cansativo consiste em contar tudo – Voltaire

Repetitivas

Falar em excesso nesse caso demonstra dificuldade de sintetizar idéias e expor os pensamentos de forma clara e sucinta. A repetição ocorre como resposta a insegurança quanto ao poder de persuasão do que está sendo dito. Tal hábito pode estar fortemente ligado à ansiedade e a insegurança em relação ao ato de se comunicar.

Eles não sabem o fazem dizem

Mas quais são as vantagens e desvantagens em se falar demais? Essa característica – que para uns é defeito e para outros, virtude – pode causar até problemas de solidão e é resultado de uma profunda carência de atenção. Em geral essas pessoas tem grande dificuldade de ficarem sozinhas, consigo mesmas. Precisam sempre da companhia de alguém (para ouvi-las, é claro 😉 ).

Segundo a psicóloga Juliana Galhardo, isso pode ocorrer devido à ansiedade. “Quando a pessoa está sob forte emoção pode querer falar excessivamente para descarregar a tensão, mas não é um padrão de comportamento, ou seja, essa pessoa não tende a funcionar desta maneira habitualmente. Porém, há casos em que o falar em excesso pode ter origem cultural, por exemplo em famílias em que todos falam muito e ao mesmo tempo”

Já para a psicóloga e consultora de carreiras Andréia Marques de Andrade, as pessoas que falam demais podem ser vistas pelos amigos como pessoas espontâneas e ser amadas e respeitadas. “Há pessoas que falam demais, mas respeitam os amigos e permitem um diálogo. Mas há aquelas que falam demais e são egocêntricas, monopolizam todos os assuntos e não permitem diálogo. Mesmo que estejam na presença de várias pessoas fazem um monólogo.”

Estas últimas quase sempre não se dão conta de sua característica falante. Outra dificuldade que se percebe nesse tipo de personalidade é escutar o que lhes é dito. Enquanto “ouvem”, já estão na verdade pensando no que dirão em seguida, o que demonstra que ouviram apenas uns 20% do que falamos. O que mais incomoda nesse comportamento não é a eloquência em si, que particularmente admiro e considero grande e importante virtude para quem a detém. O que incomoda mesmo é a falta de tato da pessoa para perceber como o outro está se sentindo. Será que ela não percebe que ficamos desconfortáveis ao ouví-la demais? Será que não percebem nossos sutis sinais de tédio, como nossa desatenção articulada, ou nosso incessante assentimento com a cabeça, confirmando que as estamos entendendo? Não, não conseguem. Não foram ensinadas a se valer do dom da empatia, ou do tato do qual falava Abraham Lincoln:

Tato é a capacidade de descrever os outros como eles se julgam.

Neste caso, tato significa uma vantajosa sensibilidade em relação a como as pessoas ao nosso redor se sentem e reagem às nossas atitudes. É tipo um feedback. O ideal é que utilizem mais esse recurso para saberem quando podem descrever minuciosamente um acontecimento e quando deve ser diretos e objetivos.

Merecem todo o respeito, mas tem que aprender a respeitar também, a dar espaço ao outro, não espaço físico, e sim espaço de tempo para que o outro tenha também direito à fala. Senão, como fumantes que poluem o ar a nossa volta, estes poluem o silêncio e o tempo de cada um.

E nós, os ouvintes?

Confesso que me cansa ouvir e ouvir e manter a atenção por muito tempo. Tenho dificuldade em manter a concentração na conversa do outro, quando esta é muito detalhada. Já me aconteceu muitas e muitas vezes de estar com alguém assim e durante a conversa o sujeito se perde em meio a tantos detalhes e eu me perco em meio aos meus pensamentos e depois de algum tempo o sujeito me pergunta o que eu penso. E eu digo que não sei ou peço desculpas dizendo que não prestei atenção. Quem foi mais mal educado? Quem fala demais, ou quem não lhe dá atenção? 😉

Até gosto de dar atenção às pessoas e principalmente, sei que elas gostam de atenção, gostam de ser paparicadas, que demonstremos interesse. Atenção ainda é, atualmente, das coisas mais escassas da qual precisamos. Mas tudo que é demais, tal atitude cansa e provoca um profundo tédio e desgosto, mesmo vindo das pessoas que amamos 😉

Frases e outros ditados sobre falar demais:

“Se existe uma unidade de medida para a fala, sem sombra de dúvidas seria a sensatez.”

“O problema de falar é que ninguém impede que você diga a coisa errada.”

“Quem fala muito não tem nada a dizer.” Renato Russo

“Falar é prata, calar é ouro”

“Quem fala demais não sabe o que diz, e tropeça nas vírgulas.”

“O burro calado se passa por sábio.”

“É melhor ficar calado e parecer um idiota, do que abrir a boca e dar toda certeza.”