Neste texto eu falei dessa característica patética que incorporamos vez ou outra, querendo parecer mais importantes do que realmente somos. Afinal, creio que todos estamos sujeitos tanto a surtos de virtude como, mais frequentemente, a surtos de um comportamento mais egoísta, e patético. Ninguém é constantemente 100% humilde ou 100% orgulhoso em tudo. Essa medida varia de acordo com a circunstância e com o assunto e . Somos seres inconstantes.
Dos momentos em que sentimos aquela necessidade de demonstrar importância pessoal, o mais estranho é quando o fazemos ao pertencer a algum grupo, seja político, religioso, esportivo, regionalista, etc.
Na política, acontece em especial às vésperas das eleições, quando os ânimos do povo estão efervescentes. Brigas, discussões, provocações, etc etc. Aos candidatos só faltam ser chamados de santos por seus apoiadores. Tomar um partido de algum político achando que MUITA coisa vai melhorar é das maiores bobagens que podemos fazer.
O mesmo vale para quem pertence a algum grupo religioso, e mais do que buscar um conforto espiritual, encontra ali a falsa ideia de se alçar, através da aceitação de alguma ideologia espiritual transformada em religião, uma situação superior em relação à situação de quem está fora daquele grupo. Uma ideia não faz de você melhor a não ser que ela, colocada em prática, melhore seu padrão de vida, seja amoroso, financeiro ou pessoal. O que eleva sua condição, na vida, é a ação efetiva – diga-se trabalho – em favor de si mesmo e dos que o rodeiam.
E o que dizer de quem torce mais por um time de futebol do que por si mesmo? Um time de futebol é um time, só isso. Quando ganham um campeonato, os únicos favorecidos de fato são os jogadores. Sempre que me perguntam pra que time eu torço, não consigo encontrar outra resposta mais coerente do que a arrogante resposta: “torço pra mim mesmo”. Fazer o que se é verdade?! Até entendo a descontração e a empolgação de ver o seu time campeão. Manter uma torcida é emocionante, é humano, porque nos identificamos com o esforço de alguém por quem sentimos grande estima. Mas não esqueçamos, a única vida que melhora a partir da vitória é a vida dos jogadores campeões, dos dirigentes do clube, etc. A sua… bem, você sabe.
Também tem aqueles que se sentem – e demonstram – melhor usando roupas de grifes, tenis de marca, essas coisas. Poxa, adquirir um produto melhor em vista da qualidade, é mais do que justo. Quer adquirir um produto para passar o status de que você PODE, tudo bem, o dinheiro é seu. Mas daí se achar melhor e maior do que os outros, é prepotência. Grande ilusão.
Além desta falsa importância conferida a nós através da identificação da nossa personalidade com uma ideia, seja ela política, religiosa, uma marca, etc, tem aquela conferida por associar-se a suposta competência alheia, cheia de pompa e glória. Veja este trecho do filósofo Montaigne retirado do livro As Consolações da Filosofia, de Alain de Botton:
Os diálogos de Sócrates, que seus amigos legaram à posteridade, recebem nosso beneplácito apenas porque nos deixamos intimidar pela aprovação geral que receberam. Não usamos nosso próprios recursos intelectuais para julgá-los pois nunca fizeram parte de nossos hábitos. Se, na época em que vivemos, alguém viesse a produzir algo semelhante, poucos seriam aqueles que lhe reconheceriam o valor. Não somos capazes de apreciar virtudes que não são destacadas ou ampliadas por artifício….
…Nos dias de hoje, nenhum de nós discerniria a nobreza e o esplendor de seus conceitos surpreendentes, expressos de forma tão simples; nós que julgamos inferior e banal o que não é revestido de erudição e que só percebemos a riqueza quando ela se faz acompanhar da pompa.
Ou seja, citar Sócrates atribui importância – através de uma suposta erudição – a quem cita. Mas se o conhecêssemos pessoalmente, certamente o ignoraríamos prontamente. Afinal descrições apontam a figura física de Sócrates como vil e simplória, bem como sua linguagem. Diz-de que debochavam dele por cuidar mal de seu próprio asseio. Certamente se por ele passássemos na rua, o ignoraríamos sem qualquer hesitação. E ainda a respeito da pompa que certos nomes adquirem mais pelo boca-a-boca que o transformam em mitos, gostaria de comentar algo muito questionável. Para tanto, repito uma frase que muito marcou e influencia o critério pelo qual assimilo certas idéias:
Prega bem, quem vive bem!
Pois bem, Sócrates era o cara, não deixava passar nada, tinha resposta pra tudo, enrolava todo mundo no papo, mas acabou como acabou. Foi obrigado a tomar da tal cicuta. Teve todas as chances de negociar, mas manteve-se intransigente e encarou a morte de frente. Uns veem aí coragem e firmeza de propósito. Eu vejo um senso de prioridade alterado. Pra mim, ser obrigado a morrer bebendo uma dose de veneno está longe de significar uma vida bem sucedida. Epícuro também teve um fim patético. Nietzsche então, morreu insano segundo Alain de Botton. Foram inteligentes? Sem dúvida. Devem ser ouvidos? Sem dúvida. Devem ser seguidos? Dependendo do que se considera uma vida bem sucedida, e este é para mim, o critério mais válido, por ser prático e dizer respeito ao tempo que me foi concedido em vida, então creio que não.
Neste sentido, minha identificação com as idéias pragmáticas de Montaigne (e olha eu querendo fortalecer meu argumento citando um grande filósofo) se torna mais forte. Segundo o mesmo:
Se o homem fosse sábio, mediria o verdadeiro valor de qualquer coisa de acordo com a sua utilidade e pertinência em sua vida. Somente o que nos faz sentir melhor merece ser compreendido.
Que benefícios tanta erudição trouxe a Varro [escreveu 600 livros para a biblioteca de Júlio César] e a Aristóteles? Ela os livrou das mazelas humanas? Ela os aliviou de infortúnios como o de nascer um homem ordinário? A lógica [filosófica] teve o poder de os consolar dos sofrimentos caudados pela gota…?
Concluo que pouca coisa é, no fundo, especial e digno de alguma reverência. Pessoas sempre foram pessoas, e eu, como pessoa, entendo que elas não tem nada demais além de algumas competências, estas sim, com algum valor. Objetos são objetos, podem ser do material mais raro e advir do processo mais complexo, mas ainda são objetos. Nenhum objeto adquirido perpetua a sensação momentânea da novidade de sua obtenção. Idéias são idéias. Se elas te proporcionam um meio de ação que lhe faça sentir melhor hoje do que se sentia ontem, sem ela, ótimo. Do contrário, são apenas idéias estéreis.
Wagner
04 de setembro de 2009 as 20:21
Ronaud, muito bom o texto.
Acho que esta busca de importância, que todos temos em maior ou menor grau, são na verdade uma forma de preencher o grande vazio que todos temos devido as perguntas cruciais sobre a existência que filosofia e religião nenhuma conseguiu responder satisfatoriamente até agora.
Dai nascem os fanátismos, seja reliogioso ou por assuntos como futebol, acho que são caminhos muitas vezes, adotados as vezes inconscientemente, por quem desistiu de se fazer as tais perguntas sem respostas.
ronaud
05 de setembro de 2009 as 19:45
Wagner, obrigado.
Creio que a questão não é que DESISTIRAM de fazer as perguntas, acho que simplesmente, NUNCA as fizeram.
Ronney
16 de setembro de 2009 as 23:06
Caro Ronaud, excelente texto. Permita-me discordar do emprego, indevido, de alguns vocábulos/adjetivos, notadamente os atribuídos a Sócrates; isso porque penso que a palavra deve, e tem mesmo por obrigação, refletir situações, contextos, conteúdo, visões — pessoal/ tradição/costumes/sociedade — época etc, mas principalmente refletir conceito de MORALIDADE de quem argumenta, ensina, orienta, esclarece ou instrui; nesse sentido, Sócrates não “enrolava todo mundo”; talvez possa ter sido como vc falou “senso de prioridade alterado”, talvez, mas creio que foi sobretudo firmeza com a verdade declarada e defendida, e repudiada, observada, como disse, a época, optando ele inclusive por abdicar da própria vida, sem drama e com naturalidade; muito provavelmente, para melhor expansão e aprofundamento do nosso pensamento, o meu e o seu, deveríamos abrir maior espaço para argumentarmos; até porque, certamente, entraríamos a discorrer num campo mais delicado, eu diria, contudo não menos importante, que é o campo da sobrevivência do espírito, o qual anima o corpo, a personalidade, a qual segue muitas vezes, vida afora, cegamente, sobrejugando a alma, como acontece com a grande massa da Humanidade, que privilegia e cultua quase que exclusivamente bens materiais, prazeres, sensualidade, status quo… com o que Sócrates não coadunava e foi radical em sua postura; grande abraço !!
ronaud
17 de setembro de 2009 as 12:26
Ronney, obrigado pela observação. De fato o termo “enrolava todo mundo” foi uma expressão talvez infeliz se levada a sério. Meu intento foi passar uma visão prática e popularesca da extrema capacidade de Sócrates de vencer debates e deixar o interlocutor confuso com seus preconceitos e paradigmas.
Mais uma vez, obrigado pela visita e observação, muito pertinente.
Luciano
02 de novembro de 2009 as 20:59
Caro Ronaud,
Estava a refletir sobre esse tema e seu texto como sempre de uma lucidez ímpar veio de encontro aos meus pensamentos.Ao meu redor encontro muitos “eruditos” que decoram citaçoes em vez de sabios que sim acrescentam algo em suas proprias vidas e contribuem para o bem coletivo..
maria
24 de janeiro de 2011 as 11:57
Acho que as pessoas de um modo geral,estão meio que engessadas perante a vida, so quando acontece algo muito proximo a elas que se dão conta, ou não de como vivem bestamente.
Acho tambem que se elas pararem pra olhar pra dentro de si mesmas elouqueceriam,então elas arruma “idolos”
pra passar o tempo e não se dão a chance de se conhecerem, porque é muito chato saber que voce mesmo é um chato e ninguem gosta de chatos na rodinha.
jamerson barbosa
22 de março de 2011 as 14:06
tambem jogo futebol não sou profissional mas me dedico totalmente ao time amador no q eu jogo
Ary Souza
13 de março de 2012 as 21:09
É bom ser importante, porém o mais importante é ser bom.
Lucia
20 de julho de 2014 as 15:46
Sou nova aqui na sua página, mas de cara, gostei do que li….
Amo ler textos de pessoas inteligentes e que passam muitos ensinamentos para mim…..
anda não posso fazer algum comentário a respeito do que vc escreve pq preciso ler com mais atenção e tentar absorver idéias……
Parabéns e continue assim…..espero receber e-mails de textos produtivos
Um abraço.
Lúcia